Há hoje 1,69 milhão de pessoas indígenas no Brasil, o equivalente a 0,83% da população brasileira, segundo os dados já divulgados do Censo 2022 E a maior parte dos indígenas — cerca de 63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados.
“Tentamos um acordo para que a gente não chegasse a este momento", disse Lira. “Nós não temos nada contra povos originários, nem o Congresso tem e não pode ser acusado disso. Agora, nós estamos falando de 0,2% da população brasileira em cima de 14% da área do país", completou, segundo informações da Agência Câmara de Notícias.
Uma lei sobre marco temporal também poderia ser vetada pelo presidente, mas juristas indígenas acreditam que isso é improvável.
A questão da indenização
Mesmo com a decisão contra o marco temporal, ainda há uma questão a ser decidida no julgamento desta quarta.
Estão em disputa duas visões sobre a possibilidade de indenização de não-indígenas que ocupam terras indígenas que venham a ser demarcadas.
A questão da indenização para os posseiros de terras não estava no caso concreto sendo julgado, explica o advogado Rafael Modesto, que defendeu os Xokleng no caso específico julgado pelo Supremo.
Ela foi trazida no voto do ministro Alexandre de Moraes, que defende que seja estabelecida uma compensação como condição prévia para as demarcações.
Segundo lideranças indígenas, a indenização nesses moldes tornaria inviáveis as demarcações, já que a União não teria orçamento para fazer as compensações em todos os casos de disputa.
Após o voto de Moraes, as organizações indígenas entraram com uma interpelação argumentando contra esse entendimento.
"Na época do fim da escravatura os senhores de escravos queriam ser indenizados por perderem as suas mãos de obra escrava. Talvez a gente esteja diante de um julgamento tão simbólico e civilizacional para o país que novamente se decide se os escravocratas invasores de terras públicas terão direito a sua indenização", diz Maurício Terena.
A outra visão foi trazida pelo ministro Cristiano Zanin, que afirma que a oficialização das terras indígenas não pode depender de indenização prévia de posseiros.
O ministro defende que posseiros de boa-fé que ocuparam terras da União sem saber que se tratavam de áreas indígenas podem até ter direito a indenização, mas ela não estará vinculada à demarcação.
Ou seja, eles precisarão entrar com um processo judicial à parte para serem compensados pela União e a demarcação não depende da existência nem do resultado desse processo.
Para grupos do movimento indígena, esse seria um meio-termo aceitável.
Isso porque, nesse entendimento, os posseiros não teriam direito de propriedade sobre as terras indígenas e os eventuais títulos de propriedade que tenham recebidos foram atos ilegais.
A compensação seria pela atuação irregular da União ao conceder uma área que não poderia ser transferida. E também por eventuais benfeitorias (melhorias) no território feitas pelos invasores.
"Essa decisão traria um equilíbrio se viesse a beneficiar principalmente pequenos agricultores que ocupem área indígena de boa-fé", explica o advogado Rafael Modesto, que defendeu os Xokleng.
"Então ele teria além do direito à indenização das benfeitorias feitas na área de uma indenização por ato ilícito do Estado ou da União. Mas essa compensação não seria dentro do processo de demarcação, mas seria necessário um processo administrativo próprio", diz Modesto.
O que disseram os ministros
O relator do caso, ministro Edson Fachin, disse em seu voto que os "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco temporal nem de um conflito ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição.
Segundo ele, o processo demarcatório deve ser definido por tradicionalidade da ocupação, verificada por laudo antropológico, não por marco temporal.
Fachin afirma ainda que a ocupação tradicional indígena é diferente da propriedade civil, pois precisa abranger não só a terra habitada, mas a usada para atividades produtivas, a terra imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários para seu bem estar, além das necessárias à sua reprodução física e cultural.
"A função econômica da terra (indígena) se liga, visceralmente, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades”, afirmou o relator.
O ministro Dias Toffoli também entende que a Constituição não estabelece marco temporal para oficializar territórios indígenas e afirma que a Corte faz, com a votação, a "pacificação de uma situação histórica".
O ministro Luis Roberto Barroso, que também votou contra o marco temporal, afirmou que, em casos em que a comunidade indígena foi forçada a se afastar da área de ocupação tradicional, ela pode comprovar o vínculo cultural com laudos antropológicos.